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BPN - Análise crítica do processo de decisão do Estado

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  • 20% dos depósitos mencionados totaliza o valor de 986 M€, valor abaixo dos 1357 M€ do Fundo de Garantia de Depósitos, já assumindo que todos os depósitos seriam inferiores a 100.000€, o que é bastante pouco provável 
  • Aproximadamente 80% da riqueza líquida dos portugueses, independentemente do valor da sua riqueza, está guardada em depósitos à ordem e a prazo. Através deste valor e da distribuição de riqueza líquida, é possível estimar que apenas os 30% dos portugueses mais ricos possuem riqueza suficiente para ter depósitos superiores a 100.000€. Tendo em conta o valor mediano dos depósitos dos portugueses mais ricos e que o valor do fundo de garantia se multiplica pelo número de bancos com depósitos, é possível estimar que muito dificilmente mais de 10% dos clientes particulares fosse afetado pela não cobertura total dos depósitos. Não foram encontrados dados relativamente aos depósitos a prazo das empresas. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/isff_2017_p_0.pdf

Contexto

No início 2008, Banco Português de Negócios (BPN) era um banco com 213 agências, 2200 trabalhadores e ativos totais de 6600 M€ (2% dos ativos totais da banca) (https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/documentos-relacionados/ft0079_d081107_h104422-0079-bti-200809-bti_0.pdf diz 7.661 M€, a ).

Em Outubro, o banco deu indícios de dificuldades financeiras e foram estudadas várias iniciativas para as ultrapassar. No entanto, o Banco de Portugal concluiu que estas não seriam suficientes, dado o estado do banco.

O Estado português, face à falência eminente do BPN e de forma a tentar conter os seus efeitos negativos, decidiu nacionalizá-lo, reestruturá-lo e vender os seus "bons" ativos, ficando na posse dos "maus".

No final de 2019, a fatura do resgate do BPN assumia um valor acumulado de 6201 milhões de euros, o equivalente a 2.6% do PIB português desse ano. [tc 2019]

Este artigo procura analisar criticamente o processo de decisão do Estado de uma forma objetiva e imparcial, tentando esmiuçar as razões apresentadas e explorar soluções alternativas.


Histórico de eventos [CE]

  • 2008
    • 2 de Novembro: Governo aprova proposta de lei para nacionalizar o BPN
    • 12 de Novembro: O BPN é nacionalizado a custo zero
    • 2009
      • 23 de Junho: O Estado refere à Comissão Europeia que está a considerar a hipótese de reestruturar e vender o BPN
      • 6 de Julho:
        • Publicadas as contas do BPN relativas a 2008, existindo a seguinte revisão de contas:
          • Capital próprio (o que o banco tem menos o que o banco deve):
            • 2006: 363 M€ -> -855 M€
            • 2007: 369 M€ -> -1194 M€
            • 2008 (30 de Setembro): 342 M€ -> -1624 M€ (31 de Dezembro)
      • 2010
        • Setembro:
          • Estado tenta vender o BPN por 171.1 M€. Não existiram ofertas
          • 16 de Setembro:
            • O Estado envia as linhas gerais de um plano de reestruturação e privatização à Comissão Europeia
            • O plano era dividir o banco numa "parte boa" e numa "parte má", ficado a primeira com os "bons ativos" e a segundo com os "maus". O objetivo seria vender a "parte boa" ("banco bom") e tentar recuperar o máximo possível da "parte má", que ficaria na posse do Estado. 
            • Nota: este documento "Memorando: a nacionalização, a reestruturação e a reprivatização projetada o Banco Português de Negócios, SA" não é público.
          • Estado expressa intenção de fazer novo concurso
        • Outubro
          • Estado reestrutura o BPN, passando todos os ativos de difícil recuperação para 3 empresas distintas
        • 2011
          • Maio: O Estado lança novo concurso, sem preço mínimo, obtendo três ofertas
          • Agosto:
            • Apresentado à Comissão Europeia documento com a comparação entre a venda e a liquidação ordenada
            • Documento: BPN-Overview of reprivatisation process (5 Agosto 2011), não público
          • 9 de Dezembro: O Estado envia à Comissão Europeia o acordo assinado com o BIC para a venda do BPN
          • 20 de Dezembro:
            • Publicada documento da Comissão Europeia que questiona vários pontos relativos à comparação entre a venda e a liquidação ordenada
            • A Comissão Europeia concluiu, a título indicativo, que uma falência não ordenada do BPN teria sérias consequências para o sector financeiro e a economia real portugueses.
          • 2012
            • Janeiro-Fevereiro:
              • Estado atualiza a comparação, alterando os pressupostos iniciais, de forma a dar resposta às preocupações da Comissão Europeia
              • No cenário de liquidação ordenada prevista pelo Estado, este prevê o pagamento de todos os depósitos e dívidas
            • 30 de Outubro
              • Publicada documento da Comissão que conclui, com base nas informações de que dispõe, que a opção de venda ao BIC, contribui para limitar ao mínimo o montante de auxílio
          • 2019
            • Dezembro: No final de 2019, a fatura de resgate do BPN tinha o valor de 6201 milhões de euros. [tc 2019]

            Análise ao processo de decisão

            Porque foi o BPN nacionalizado, em primeiro lugar?

            Argumentos do Estado a favor da nacionalização (https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/10/04/016/2008-11-05/9?pgs=7-29&org=PLC&plcdf=true)

            1. Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes
            2. Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro (uma grande instituição, caso vá à falência, deixa de cumprir as suas obrigações, podendo provocar uma cascata de falências)
            3. O custo para os contribuintes portugueses seria bem maior caso se deixasse o banco falir
            4. O facto do Banco ter um saldo líquido positivo de 300-400 M€ em Agosto e apresentar perdas de 800 M€ em Outubro, mostrando a necessidade de intervenção urgente para evitar a ruptura de pagamentos

            Críticas por parte dos deputados da oposição

            • Não foi apresentada qualquer fundamentação financeira nem apresentação de estudos que comparassem a nacionalização com outras alternativas 
            • O tempo para a tomada de decisão foi curto (menos de 48h entre a entrada do projeto de lei, a 03/11/2018 e a discussão, a 05/11/2018)

            Análise aos argumentos do governo

            Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes

            Se quiseres entender em maior detalhe a importância da solvabilidade de um banco podes ler esta explicação.

            • No final de 2018, o BPN tinha 217.417 clientes particulares e 47.561 clientes empresariais https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePerguntaRequerimento.aspx?BID=59682
            • Em Portugal, o Fundo de Garantia de Depósitos garante todo o dinheiro presente em depósitos até 100.000€ é reembolsado em caso de perda. Este montante é aplicável tanto depósitos de particulares como de empresas. O valor de garantia aplica-se por instituição bancária, pelo que uma pessoa com depósitos diversificados por vários bancos tem garantias muito superiores a 100.000€.
            • O valor do Fundo de Garantia de Depósitos, no final de 2008, era de 1357 M€ https://www.fgd.pt/sites/default/files/rel_fgd_2018.pdf
            • No final de 2008, o BPN possuía 896 M€ de depósitos à ordem, 4.036 M€ em depósitos a prazo, 8.188 M€ de ativo e -1624 M€ de capitais. Isto significa que cerca de 20% do ativo estaria a "descoberto". https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/documentos-relacionados/ft0086_d090623_h100139-0079-cam-200812-cac_1.pdf
            • 20% dos depósitos mencionados totaliza o valor de 986 M€, valor abaixo dos 1357 M€ do Fundo de Garantia de Depósitos, já assumindo que todos os depósitos seriam inferiores a 100.000€, o que é bastante pouco provável 
            • Aproximadamente 80% da riqueza líquida dos portugueses, independentemente do valor da sua riqueza, está guardada em depósitos à ordem e a prazo. Através deste valor e da distribuição de riqueza líquida, é possível estimar que apenas os 30% dos portugueses mais ricos possuem riqueza suficiente para ter depósitos superiores a 100.000€. Tendo em conta o valor mediano dos depósitos dos portugueses mais ricos e que o valor do fundo de garantia se multiplica pelo número de bancos com depósitos, é possível estimar que muito dificilmente mais de 10% dos clientes particulares fosse afetado pela não cobertura total dos depósitos. Não foram encontrados dados relativamente aos depósitos a prazo das empresas. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/isff_2017_p_0.pdf

            Conclusões:

            • Embora seja verdade que os depósitos de milhares de depositantes fosse colocado em risco, através da informação disponível em 2008, seria plausível assumir que o valor dos depósitos abaixo de 100.000€ continuaria garantido. Isto iria garantir que todos os depósitos dos portugueses menos favorecidos ficariam a salvo e que mesmo os mais favorecidos não iriam perder a totalidade do seu capital. A mesma conclusão deverá ser aplicável às empresas, embora seja expectável uma maior perda média de capital.
            • Praticamente nada é isento de risco. Afirmar que os depósitos estavam em risco, sem existir quantificação, constitui uma afirmação alarmista que em nada esclarece o debate.
            Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro

            https://www-cdn.law.stanford.edu/wp-content/uploads/2017/09/tir_07_3_scott.pdf

            https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ecin.12169

            • Nos EUA, não existe evidência de que a falência de um banco ou grupo de bancos leve à falência de bancos solventes (saudáveis financeiramente).
            • Simulações parecem evidenciar que, mesmo com a falência do maior banco devedor do sistema dos EUA e perdas na ordem dos 40%, os bancos falidos por contágio representariam valores inferiores a 1% do PIB.
            • Medidas impostas pelos governos que procuram criar uma rede de segurança para as grandes instituições, frequentemente denominadas de políticas "Too big to fail", para além de custosas, podem ter os seguintes efeitos adversos:
              • Fomentam a tomada de decisões de negócio mais arriscadas por parte dos gestores bancários
              • Incentivam os reguladores a adiar as intervenções
              • Oferecem uma vantagem competitiva para as maiores instituições bancárias dado que, ao contrário das mais pequenas, estas irão ser resgatadas
              •  

            Porque foi depois privatizado?

            Argumentos do Estado contra a liquidação (https://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/242398/242398_1275194_15_5.pdf)

            • Seria difícil alienar ativos e passivos em pacotes de forma a fazer corresponder os depósitos com os créditos
            • Necessitava de uma transferência imediata dos depósitos para outro banco de forma a evitar uma "corrida ao depósito"
            • Risco sistémico potencial para o setor bancário
            • Impacto negativo, em termos de reputação, por se permitir a falência de uma instituição que tinha acabado de ser nacionalizada 
            • Perda de 350 a 550 postos de trabalho complementares

              Conclusões

               


              Referências

              [tc 2019] https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/PareceresTribunalContas/ParecerCGE/Documents/Ano%20econ%C3%B3mico%20de%202019/pcge2019.pdf

              [CE] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2012:301:FULL&from=EN